O futuro
O futuro é o tempo da incerteza. Dela, nasce a brecha para imaginá-lo e, por que não, sonhá-lo.
As imagens e os desejos de futuro na foz do rio Doce e no Litoral Capixaba têm natureza parecida. São ora pessimistas, ora otimistas. Se alimentam do passado e do presente. São utópicos e distópicos.
As imagens criadas e desejadas para o futuro carregam sentimentos fortes e levantam questões desafiadoras para o território, como a demanda por políticas públicas de Estado, a necessidade de planejar o crescimento urbano, de cuidar das águas e do meio ambiente e de promover a cooperação entre as comunidades.
Convidamos todos a fecharem os olhos para uma escuta empática. Juntos podemos sonhar caminhos para que os futuros desejados se tornem realidade!
Os trechos de áudio foram captados pelos consultores da UNESCO nas escutas realizadas em janeiro de 2020 na região da foz do rio Doce e do Litoral Capixaba. A reprodução das entrevistas está autorizada pelos interlocutores em termo de cessão de imagem e áudio.
“Rapaz, eu não sei nem te explicar como que eu gostaria que tivesse no futuro. Sempre a gente pede é a melhora né? Agora, como vai ser nós não sabemos”
“Não vejo futuro aqui não, porque não pesca, né?”.
com o lance da lama aí, começou ter briga entre vizinho às vezes até dentro da casa, ou ‘como é que minha esposa recebeu e eu não recebi? Meu filho recebeu eu não recebi. Ah, porque eu recebi e o vizinho…’ começou assim e aí as pessoas brigavam e viravam a cara mesmo. Então, todo mundo se dava bom dia, boa tarde, boa noite, apesar das diferenças de time e religião todo mundo se abraçava… é… e aí depois da lama isso deixou de existir. As pessoas começaram… então teve esse afastamento social, afetivo das pessoas, entendeu? E aí como é que você reconstrói isso?
“Todo mundo feliz. E sendo as coisas de acordo como pudesse ser né? Hoje como diz o outro, não tem mais nada em mãos para ninguém. Saúde era primeiro lugar, entendeu? E a gente mantimento nossos alimentos quando a renda era do rio, entendeu? (…) Não tem mais nada. Acabou! Acabou nosso sonho, matou nosso sonho”
“Eu acho que vai ter uma melhora. A gente tem que acreditar que o mundo vai melhorar, não pode piorar. Você tem que acreditar que algo de bom vai acontecer. Porque daqui a pouco nós vamos ficar sem água para beber. Vamos pagar caro para beber água porque não estamos cuidando da natureza como deveria ser”
“Olha, eu gostaria que fosse como há vinte, trinta anos atrás, do mesmo jeito que era entendeu? Tudo de fartura, tudo bonito, você chegava… Tudo… Tudo era mais…era diferente né? Tinha mais, tudo mais…hoje você só fala em tragédia, por exemplo isso que a gente está vendo aí, a gente calcula que seja, seja não, é uma tragédia, entendeu?”
“Eu gostaria que voltasse ao normal né, que tipo assim, não tivesse poluição no mar, não tivesse no rio, para a gente voltar a ter uma vida normal que eu acho…não sei quando que isso vai acontecer”.
“Eu tenho certeza que o meu gosto não serve para isso, não resolve, porque pelo meu gosto, pelo meu gosto mesmo a cidade nem cresceria mais, ia permanecer do jeito que está. Mas é necessário que cresça, não tem jeito, de que que vai adiantar eu falar que eu queria que ficasse assim?
“Rapaz, isso aqui não vai mudar muito não. Porque os velhos vão faltando, mas os novos vão crescendo. Os filhos estão trocando, igual lá em casa mesmo, eu não mexo mais com roça, já larguei na mão dos meninos, meus netos já estão conseguindo dominar até a irrigação na roça. Então o futuro nosso aqui é quem morre, morre, quem vai ficando, vai tocando.”
“(…)Eu vejo o homem buscando, outras fontes, outros planetas…é louvável. Mas oi? Para que que eu vou procurar habitar Marte se a Terra está aqui, se tudo que nós temos é lindo, se nós fazemos parte de uma natureza sabe? Generosa, ela só pede que a respeitamos, que nós cuidamos dela, que nós pensamos antes do constuir, que nós respeitamos a margem dos rios, que nós calculamos os impactos ambientais que vai ter naquela área, que nós respeitamos os povos indígenas originários entende? Então tem que ter…a natureza, o ambiente, ele nos respeita, nós é que não respeitamos esse ambiente né? Então o que eu visualizo, o futuro que eu almejo é isso, que nós possamos sensibilizar com tudo isso que está acontecendo e possamos fazer uma política afetiva, assertiva para que nós possamos minimamente garantir a existência das nossas próximas gerações”
“A gente gostaria só que os preços das coisas fossem melhor entendeu? Por exemplo: se o governo, hoje em dia é assim, nós acabamos a colheita de café, por exemplo, você não sabe se você vai vender o café hoje, amanhã está mais caro entendeu? (…) Então se o governo botasse um preço né, no café”
“Então, é o que muitos atingidos falam: “não, eu queria as comunidades como eram antes, não precisava ter mudado nada.” Só que isso daí é difícil de reconstruir, então… que tenha qualidade de vida, né, com as pessoas felizes, a felicidade é a principal coisa, as pessoas felizes, com garantias de assistência social, garantias de saúde, garantias de um ambiente equilibrado, garantias de trabalho, né, não digo empregos, mas de sobrevivência econômica, né, então é a comunidade que tem que ter no… amanhã ou depois, mas é difícil reconstruir isso. …”
“Alguns serviços a mais pra população aqui, eu acho que seria muito bom, eu acho que hoje em dia comportar um posto de saúde aqui ou um posto policial também devido a segurança, traria mais segurança para as pessoas daqui, eu acho que é mais isso daí”
“não precisa ser gênio pra ler o futuro, basta ler bem o presente. Acho que vai ser cada vez pior. Pior. Se não tiver uma ação efetiva pensando na ação das pessoas, elas vão entupir. Santa Cruz vai ser uma coisa entupida. Porque você já tem todos esses bairros aí que a gente fala, que é São Francisco, outros santos… Agora, entre esses bairros, há loteamentos enormes que já estão fazendo casas e chegando cada vez mais pessoas.”
“Então essa briga constante né, que a gente, que a gente acompanha né? E uma delas é tentar a recuperação disso que já foi degradado ao longo de…nós estamos falando de centenas de anos. Com ações igual, voltar as matas ciliares em volta desse rio Doce, tentar tirar desenfreadas construções fora do perímetro regular das lagoas, tirar os esgotos principalmente das lagoas centrais dentro do município entendeu? Isso é o que está faltando para o futuro (…)”
“Como eu disse, primeira coisa, as pessoas têm que ter… uma geração de renda pra ele poder estudar, ou colocar os filhos para estudarem, porque sem uma renda, como é que vai dar um estudo a um filho, entendeu? Então, eu acho que primeira coisa que tem que se investir, é nisso aí, é em geração de renda, até mesmo capacitar algumas pessoas mesmo que seja para ficar aqui dentro, que seja para agricultura, que seja para qualquer outra situação, mas que gere renda dentro do lugar, para que as pessoas não precisem sair, pelo menos nós que já estamos mais velhos sair para ir buscar alguma coisa lá fora, os novos não, se a gente tiver uma renda, nós podemos, podemos proporcionar estudos melhores e aí eles tomam o destino deles”
Se nós temos essa, como eu disse, essa riqueza tão linda, tão bela e tão poderosa que é esse berço maravilhoso? Então, por que que nós não podemos mudar essa roda (…). Nós temos que defender o nosso espaço, temos que ter a resiliência de fazer que predomina o que a gente quer. Até com patrão, entendeu? Então, eu não vejo isso assim, tem que ser conduzido pelo sistema. Não, nós quem temos que conduzir o que a gente quer. Se a gente vai conseguir ou não, vamos ver no traquejo da luta do dia a dia, né, aonde vai chegar com isso
“Aí eu penso o futuro, como será o futuro de Povoação. Tudo de Povoação só depende de nós moradores, nós não devemos esperar por Fundação Renova para poder ter um futuro para Povoação. Povoação depende do nosso querer, de nós nos juntarmos, uma comunidade de mãos dadas e unidos e lutar por uma Povoação melhor. Eu acho que somos merecedores disso, depois de tanta tragédia é isso que eu penso”
“Ah, a minha imagem hoje, eu só estou pensando que… daqui uns tempos se esses filhos nossos não tomarem conta vai ser só isso aí, só eucalipto, vai destruir tudo, né?”