As pessoas
O rio Doce é brisa. O rio Doce é Watu. O rio Doce é lama. O rio Doce é resiliência, resistência. O rio Doce é Tupiniquim-Guarani e Negro. É Portugal, Itália, Alemanha. É Brasil. O rio Doce é festa, berço e vista. O rio Doce é movimento. O rio Doce é mar.
As pessoas que residem nos lugares percorridos são coautoras das 28 paisagens que identificamos na foz do rio Doce e no Litoral Capixaba adjacente a ela. Através da observação e escuta de suas memórias, percepções, práticas espaciais e manifestações artísticas, conseguimos nos aproximar de sentimentos e significados que atualizam nosso imaginário sobre o rio Doce.
91 pessoas compartilharam suas percepções sobre o território conosco. Aqui conhecemos, reconhecemos e agradecemos a todos que nos ajudaram a ver com olhos “novos” o território da foz do rio Doce.
(…) normalmente eu saio de manhã para ir pescar, vou na praia pescar ou para alto mar. Às vezes eu saio daqui, viajo para outra cidade para trabalhar em alto mar, fico aí quinze dias, vinte dias, depende da embarcação, ou fico fora de casa. Da última vez eu fiquei quase cinquenta dias fora de casa. Porque eu fui para Aracruz, porque como o valor do mercado aqui caiu muito, aí eu vou para outro lugar. Porque na questão financeira tem preço de camarão aí acaba eu indo e voltando, a hora que eu chego aqui é isso aí. Vou pescar na praia, de dia estou com a minha família, à noite eu saio para ir na beira do cais dar uma volta. Geralmente quando não estou pescando eu chego para ficar em casa e passear com os meninos né?
Fábio da Silva Clarindo, 44 anos
(…) chegando no final da praia ali, você não vê mais aquele bairro, você vê aquelas pedras protegendo o mar e você pensar que ali era o meu lugar, que era o meu refúgio. Eu tinha dez anos, nove anos eu sumia andando,meu pai ficava doido comigo, eu ia pescar.
Salomão da Silva Pinto, 54 anos
“Ah, as árvores. Acabaram com essa paisagem bonita, as árvores…”
Elenir Rodrigues, 71 anos
“É muito bonita [a Praça de Itaúnas] eu adoro, vivo bem ali sentada, só olhando para a praça, é linda a praça (…)”
Evânia do Rosário Conceição
“(…) nós temos a Lagoa de Juparanã que é a maior do Brasil em volume de água. Nós temos a Lagoa das Palmas que é a maior do Brasil em profundidade, nós temos a Lagoa Nova que tem um gênero de peixe endêmico, só existe nela, então nós temos coisas assim…”
Elber Tesch, 37 anos
“entra e volta… O Mariricu vem e vai por aqui. A maré encheu, volta para trás”
(Ivan Monteiro, 66 anos)
“é o banho, é o rio, é o mar… um banho no rio, um banho no mar”
(Maria da Penha Monteiro, 57 anos)
“A igreja pequena Santa Cruz, que é de 500 anos, e meus filhos casaram ali naquela igrejinha. Foi fantástico, a coisa mais linda!”
Georgina Morais, 70 anos
“Tá acabando e não é pouco não, tá! Muita! Está acabando, isso está… Tem lugares que você passa que antigamente era uma floresta, hoje em dia você não vê nada, antigamente era uma lagoa, era um lago, você vê seco, entendeu? Isso aí é nítido. Isso aí está acabando e muito e não é pouco não. Se nós não tomarmos providências a tendência eu acho que é acabar mais e mais ainda”.
Gilvan Francesbilho dos Santos, 37 anos
“Lá dentro, que meu filho tem o eucalipto plantado, lá não tem mata não, lá é só pasto, eucalipto e café que ele produz café lá e eucalipto mais aqui, só isso aí mesmo”
Zelia Scarpati, 75 anos
“Menina, é uma vida assim muito batalhadeira né? A gente tem que batalhar muito para adquirir as coisas, mas é um lugar bom de sobreviver”
Maria Aparecida, 42 anos
“…o que prejudica mais é o uso do solo na beira das lagoas. Que eles batem o produto né, querendo ou não a terra filtra e cai na lagoa do mesmo jeito, aí os produtos acabam matando os peixes e acabando, estragando a água, a água potável né? Querendo ou não essa água é a melhor que tem nessa região”
Vitor Braz, 19 anos
“Aqui, você não tem mais peixe aqui não, a lagoa Juparanã, depois que fizeram aquela barragem, como é que tem peixe?” “Olha bem porque tem esses troncos. É porque tinha as árvores do lado de cá e gado do lado de lá. Agora [depois da barragem do Rio Pequeno] não tem mais… debaixo daquela árvore ali que morreu, eu lia e o leito da lagoa era a vinte metros para lá ”
Maria Lúcia Grossi, 78 anos
“Eu gosto da minha cidade, [São Mateus] é um lugar aconchegante, é um lugar assim, de adaptação, é fácil pra todo mundo, tem opções né, de coisas pra você fazer, apesar que é simples, mas tem muita coisa relacionada ao cultural, tem uma influência muito forte também da cultura negra na cidade, é muito bonita como eu te falei. Apesar de eu não acompanhar muito, eu acho interessante, tem a Folia de Reis, tem o trabalho do pessoal quilombola né, as comidas típicas, tem a moqueca da nossa região que é muito falada, a moqueca capixaba. É um lugar que…no Centro da cidade fica a meia hora da praia, pra quem não gosta de praia tem os rios é um acesso bem fácil né?”
Rui Barbosa, 43 anos
(…) geralmente, a maioria mexia com pesca. Pesca, caça de caranguejo, entendeu? Alguns… só que todo pescador, ele também é um pequeno agricultor, né, porque o cara não come um peixe sem farinha, o cara não almoça sem um feijão, sem um arroz, então, todo pequeno… todo pescador ele também é um produtor, de qualquer forma… entendeu?”
Pedro Ribeiro Clarindo, 51 anos
“É onde eu moro [Fazenda Tupã, em Linhares], é onde eu tiro o meu sustento, onde eu tiro o sustento da minha família, onde meu filho trabalha, onde meu marido trabalha e eu falo que aqui é o cantinho, é um paraisozinho, né, um paraíso que nós temos”
Elizângela Lima de Freitas, 46 anos
Nós [em Putiri, Aracruz] temos uma unidade de saúde, nós temos a creche, nós temos a escola, nós temos o centro comunitário, nós temos a pracinha, agora tem um calçamento, nós temos a água da Cesam (…)”
Angelita Maria Gama, 51 anos
“É que às vezes Deus está na roça e na cidade, mas eu acho que na roça tem mais uma facilidade de criar os filhos do que na rua. A realidade da violência, né?”
Mauro Cesar dos Santos, 60 anos
“Tinha a intenção de criar os meus filhos num lugar que pudesse tirar pelo menos o sustento básico, com muita luta a gente conseguiu e daí na época era através da igreja né, tinha uns padres que ajudava na época, CPT , Pastoral da Terra e a gente foi participando dessas entidades a partir da igreja e a gente acabou indo em oitenta e sete que a gente conseguiu aqui, vir para cá”
Elza Soares, 63 anos
“Os eucaliptos tomam muito… muito espaço de uma área nativa, onde você vê os animais silvestres né? (…) Você não vê nada, nem cobra. Porque não existe… a cadeia alimentar não existe para eles”
Silvano Ramos
“O alimento vai acabando, a pessoa já não tem aquela fartura mais… aqui caranguejo nós pegávamos era de braçada quando ele andava. Hoje você vai lá pegar um caranguejo, você precisa estar procurando…”
José Pinho Ramalho, 75 anos
“Bom, aqui os que têm seu serviço, trabalham, os que não têm, trabalham no mangue”
Regina Vieira Pereira do Rosário, 52 anos
“de proximidade, e de sintonia também! Que muitos gostam de fazer pesca… pegar um siri… guaiamum… Sabe, eu acho assim, são várias coisas em torno do mangue, do manguezal do rio. Eu acho bonita essa relação”
Breno Barroso Boos, 30 anos
(…) se a gente for observar, você vai deparar com vários e várias moradores que eles têm um tio na aldeia, que tem um filho na Barra [do Sahi], que tem… Ou seja, a gente, de uma forma ou de outra, aqui não é aldeia, mas o sangue que tá aqui tá lá. E é uma cultura que a gente se sente bem melhor de entender que eles são os nossos povos. São originais”
Herval Nogueira Junior, 57 anos
“(…) meu sogro era meio índio, sabe? Caboclo índio. Aí ele fala assim: olha, cuidado, ali tem uma cobra. E eu não era filha daqui, eu tremia de medo quando ouvia falar. Aí eu falei: ali tem a cobra? Como o senhor viu? Tem ali, tem sim. Olha o cheiro dela ali. Fica pra trás de mim. Aí eu ia pra trás, porque a gente ia no trilho dos Botocudos”
Astrogilda Ribeiro dos Santos, 86 anos
“Então, a Fíbria e a Celulose acabou tirando também umas setenta famílias aqui do fundo, que viviam aqui, que acabou vendendo pra eles e foi embora, e virou aqui, um deserto verde, o fundo nosso, um deserto verde grande, de muito eucalipto, muito eucalipto. Porque agora está na mão da Suzano, né?”
Adão Cellia, 61 anos
“É saber que você vive bem, que você tem uma casa em que se vive bem, e ter as plantações ali que te dá a segurança (…). O assentamento, a minha visão do assentamento, é isso”
Adilson Alves dos Santos Rigonis, 38
“aonde meu pai mora, que tem a fazenda, não sei se vocês já ouviram falar, é a antiga fazenda do Barão do Tibuí. Vocês já ouviram falar? (…) tinha as ruínas, né? Então antes do meu pai, tinham outros fazendeiros que foi depois do Barão do Tibuí, entendeu? Então era tudo… Tinha café da época dos escravos ainda quando o pai do meu pai, que é meu avô, comprou. Tinha café da época dos escravos, tinha os engenhos de casa de farinha”
Cláudia Martins Rigonis, 42 anos
“Era, descendente de escravo. Sofria bastante. Já tomaram muita correiada já… Não é mole não. Mas graças a Deus na nossa época aí nós não… Sofre de outras maneiras que a gente não percebe que deu, mas não é tão visível igual eles sofriam antigamente não. Sofre ainda, até hoje, mas… hoje em dia é mais… como diz o outro ‘é mais na calada’”
Gilvan Francesbilho dos Santos, 37 anos
“Eu tenho muito orgulho de ser jongueira, eu tenho muito orgulho do povo de Sapê do Norte. São minha família, são meu povo e eu só abandono, só por morte mesmo porque foi um povo sofrido”
Maria Amélia, 67 anos
“Tem a plantação de coco, tem um fazendeiro ali, tem a cultura de aroeira também, está com três anos que eles começaram a produzir aroeira aí, emprega um pouco do pessoal aí também…” (Mateus José Cairu, 52 anos)
“Quando você olha em cima do alto da Bela Vista aquela lagoa [Juparanã], você fala que é um mar de água doce. É a coisa mais maravilhosa que tem”
Reuber Nascimento, 61 anos
“eu não sei te dizer se é água limpa da cachoeira ou se é água poluída. Porque devido os plantios de café, né? Café e a pecuária que o rio corta né, antes de chegar na cachoeira, ele passa nessas localidades né? Então quando chove, se tem agrotóxico na lavoura eu acho que vem na água né? Então não tem aquela preservação como deveria ser né?”
Flávia Onorato, 33 anos
Porque eles não vêm conversar, simplesmente, vão chegando e se instalando de qualquer jeito aí e acabou. Nosso povo é um povo que não tem cultura e tal, não tem conhecimento, aí eles vão chegando e fazendo de qualquer jeito. (…), mas para nós não há novidade, que ela vai conseguir se instalar, vai, só que vai encontrar um embargo que nós vamos estar brigando, nós vamos. Mas nós sabemos do nosso tamanho né? Nós sabemos, ela é uma empresa multinacional, então é difícil, é difícil”
Sebastião da Assunção, 60 anos
“Cricaré significa… é… para os índios né? Kiri-Karé, rio dorminhoco, rio preguiçoso e o rio corre tranquilo e esse rio toda vida veio com a calmaria que existe, né?
Salomão da Silva Pinto, 54 anos
“Eu só não pesco agora porque tá proibido, mas na hora que a pesca tiver aberta eu vou pra beira do rio, nem que seja pra ficar lá olhando pra água. Eu vou”
(Maria da Conceição dos Santos, 74 anos)
“o rio é vida né? Ele é abrigo, ele é vida, ele é ponte de um lado pra outro”
Flávia Cristina de Jesus Loyola, 51 anos
“É, eu tinha uns pés de cacau, eu tinha um cacau novo assim, matou tudo, a lama cobriu tudo, que aquela lama não é igual enchente comum. A enchente comum ela dobra em cima do pé de cacau e o cacau brota de novo, ela não, dobrava em cima do pé de cacau e virava aquele tijolo em cima, virava igual como se fosse um concreto, aí se acabaram tudo”
Simeão Barbosa dos Santos, 78 anos
“…mas hoje o mel diminuiu muito, você não vê mais uma abelha, ainda não se explica o por que…
Simone de Jesus, 33 anos
“Regência com as suas ruas de terra batidas, com suas casas ainda de estuque outras é…acompanhando a mudança dos tempos, estão erguendo muros, colocando grades, mas ainda a gente, mesmo assim, mesmo dentro dos muros, as grades, tem pessoas simples que põe não por causa da violência, põe porque é tendência sabe? Mas mesmo assim, a gente ainda consegue saber quem nós somos, nós somos um povo da água, um povo da batida do Congo, nós somos um povo guerreiro porque somos descendentes de índios botocudos que não se dobrou a coroa portuguesa nós somos um povo que consegue pensar em coletividade, então, acho que isso tudo se transforma numa magia que está no ar e quando você chega em Regência é muito difícil você não se deixar contaminar dessa vibração gostosa”
Luciana Oliveira, 48 anos
“…ah, eu só vejo boi. É, ué… quintal, como é que fala? É… Fazenda né? Curral, eu só vejo isso…”
Léia dos Santos Silva, 41 anos
“…É para a gente tirar para consumir pra gente e para ter renda também né? Para ter renda. Só que para ter renda… você fazer plantação para ter renda, tem que ter investimento. Irrigação, adubo, preparação do solo e a gente não tem isso”
Geraldo Comper, 54 anos